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OBRAS IMPORTANTES DE GUIGNARD EM DESTAQUE
COM A ANÁLISE DO PROFESSOR PIERRE SANTOS
Composição Surrealista, 1937,001-37, ost, 180 X 125 cm.
Esta pintura refere-se a uma inventada cidade templo sagrada no contexto da Grécia Clássica, já em ruínas, portanto em desuso no abandono em que se encontra. O cenário provoca-nos um sentimento de esquisitice, porém não impossível. A única coisa a sugerir o extraordinário é a dupla de cavalos alados do primeiro plano; estes não nos chamam tanto assim a atenção em decorrência de seu prodígio, porquanto pégasus têm sido constantemente usados, quer em pintura, quer na literatura, quer no cinema, pelo que de certa forma já nos afeiçoamos a eles, sem nos assustarmos com o que poderia ser o inesperado, não mais super-real e muito menos sobrenatural.
O quadro é fácil de leitura: a coluna jônica derrubada com as volutas do capitel, em baixo, à direita, aponta os cavalos alados postos numa região composicional privilegiada, os quais destacam, nesta continuidade linear, a escultura de uma pessoa envolta desde a cabeça por grande manta, em pé sobre seu pedestal, lembrando aí a presença humana. Esta sequência inaugura um ziguezague, que vai até à parte superior, definindo a leitura, pois a base da estátua tem seu elemento empático na base da grande e esbelta coluna jônica, disposta um pouco à direita da linha virtual central que corta a superfície em sua metade vertical e compõe-se com a asa do primeiro pégaso e suas patas a zona áurea, que rege o todo em sua composição. Assim, temos: base de estátua, base de coluna e pinheiro horizontalmente seccionado em várias partes, completando o primeiro ângulo do ziguezague, onde se destaca, à direita, o templo primitivo dórico.
Nesta ascensão de formas, o pinheiro seccionado da direita procura no outro lado seu gêmeo (aliás, desta espécie só têm os dois no quadro), cada um deles próximo a um arco votivo; completando o segundo ângulo, dentro do qual se inscrevem, colados à margem esquerda do espaço pictórico, o teatro de comédia em estilo dórico e, atrás dele, um tempo jônico dedicado a alguma divindade; mais ou menos no meio deste ângulo e praticamente no meio de toda a superfície, única forma a estar ali, destaca-se no terminal do vale um templo coríntio em ruína. A segunda árvore seccionada, por sua vez, compõe-se com os três pinheiros cônicos lá em cima, à direita, avultados contra um céu nublado, salientando na abertura do ângulo formado os graus de elevação e os picos ali existentes, por entre os quais passeiam nuvens brancas e cinzas. Esses três pinheiros, finalmente, flertam com o pico do monte à esquerda, o mais alto de todos, já um tanto quanto esmaecido à distância, mostrando na abertura do ângulo resultante os picos desse monte. Espalhados por todo o quadro, aí temos vinte e dois pinheiros cônicos regulares em seu alongamento vertical, chapadamente coloridos num tom azul profundo, o mais escuro de toda a pintura, aparentemente postos de forma aleatória. Mas assim não é: espalham-se com maior ou menor densidade pelas zonas de peso da composição, valorizando-as ou neutralizando-as na regência do colorido. Desta feita, temos nove diminutos pinheiros no monte da direita, maior e mais acidentado do que o oposto, mais simples, onde há quatro deles, dois menores e dois médios, enquanto na faixa intermediária aparecem mais dois médios ao lado do tempo coríntio, com cujas pilastras fazem ritmo no final do vale, por onde os monumentos se espalham. Mais sete pinheiros radiam em torno do espaço privilegiado, base do todo composto, onde os pégasus parecem confraternizar-se. Ou estariam realizando algum ritual?
Embora lugares como este tenham existido na Grécia antiga, a cidade que aqui está nasceu da imaginação do artista, e, posta de repente no contexto do mundo hodierno, parece irreal, fantasmagórica e misteriosa, como se escondesse em sua atmosfera um intrigante enigma. Contudo, nada esconde; pelo contrário, revela na ondulação do colorido uma poesia plena de saudade e esquecimento.
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