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OBRAS IMPORTANTES DE GUIGNARD EM DESTAQUE
COM A ANÁLISE DO PROFESSOR PIERRE SANTOS
Noite de São João, 1940, 004-40, osm, 55 X 80 cm.
Esta Noite de São João é um dos mais fascinantes quadros pintados por Guignard. Quando olhamos para ele, encanta-nos imediatamente esta mágica dança de balões, que vão levitando espaço afora, ante nosso campo de visão. É precisa a noção espacial do movimento deles, que vão preenchendo todo o espaço acima da paisagem em sua lenta ascensão. Pois tentemos desvendar como Guignard conseguiu, tecnicamente, obter este efeito.
Na parte de baixo espraiam-se construções urbanas, todas em geral de três andares. Essas construções, com algumas exceções, estão pintadas em verde e branco, mas com telhado invariavelmente em laranja, inclusive o da igreja, que se sobressai sobre as demais com sua torre. Esta se estende verticalmente na zona mais importante quanto ao equilíbrio da composição, denominada áurea, e dela tudo aí depende, como se, com a bandeira nacional tremulando em seu pináculo, coordenasse o movimento dos balões em sua coreografia espacial. Avultadas em seu verde claro pelo verde escuro do fundo, acima dos telhados, cerca de quinze palmeiras por ali vão se espalhando alvissareiras, esguias, enfeitando a cidade.
Observe-se que das últimas construções à esquerda e à direita, das quais a metade sai do foco, partem duas curvas, que disciplinam a altura das cobertas alaranjadas e vão encontrar-se na torre, formando nesse encontro uma espécie de dáblio minúsculo, cursivo, mais alongado, ou um ômega minúsculo grego: ω, um pouco mais aberto. Essas duas curvas regem toda a extensa esplanada, ao longo da qual se espraiam outros conjuntos urbanos, com suas construções, igrejas e luzes, concebida em uma tonalidade escura de verde. A esplanada em sua extensão é cheia de pequenos picos, formando vales mais ou menos estreitos, onde se instalam construções, e vão realçar lá em cima, na linha do horizonte, três picos médios à esquerda e outro maior à direita, os quais correspondem às curvas do referido dáblio. Ainda quanto a este tópico, pode-se ver um ângulo obtuso, cujos lados descem em diagonal pelos telhados da esquerda e da direita (nestes últimos a linha é bem nítida na sequência deles) e se encontram um pouco abaixo do limite inferior do espaço pictórico, na projeção da linha que passa pela parte direita da torre, ângulo este aberto para cima, pondo em destaque a esplanada, o céu e, principalmente, os balões.
Para além da linha sinuosa do horizonte vai se estendendo, como um pálio gigantesco e protetor, o céu nublado, ocupando a terceira faixa no sentido horizontal da composição, sendo a segunda a ocupada pela esplanada e a primeira a ocupada pela cidade no plano de início da pintura. A noite acabou de cair. O sol já se pôs, mas ainda doura com seus derradeiros clarões as partes mais fronteiriças das nuvens brancas, marcando ainda a sua presença com o alaranjado do lugar onde se deitou.
Foi através da ascensão rítmica dessas três faixas abertas para nós, com seu colorido harmonicamente dosado – e levando-se em consideração o fato de que o ponto de observação do pintor está num ponto mais alto do que a torre, o que torna o horizonte mais elevado na visualização do quadro – que mestre Guignard conseguiu passar-nos toda aquela sensação de levitação dos balões. Esta sensação será intensificada, se focalizarmos apenas os balões através de um tubo, porquanto eles se dispõem em seu deslocamento numa verdadeira espiral, aumentando a impressão de seu movimento.
Finalmente, outro detalhe importante: o quadro nos passa ainda toda a alegria da multidão que apinha a rua e o adro em volta da igreja, para ver a festa dos balões, alegria que se estende por todo o vale, dando-nos a impressão de que o mundo inteiro está assistindo e vibrando em face de tudo aquilo. E eu fico pensando no homem Guignard (ou seria melhor dizer: na criança Guignard?) que, enquanto vai marcando no quadro as posições formais e de cores, o faz com os olhos cheios de lágrimas, certamente com saudade do pai, em cujo colo tantas vezes assistiu a espetáculos semelhantes àquele, o pai que o havia deixado fazia tanto tempo, mas que jamais tinha se afastado de seu coração.
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