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OBRAS IMPORTANTES DE GUIGNARD EM DESTAQUE
COM A ANÁLISE DO PROFESSOR PIERRE SANTOS
Execução de Tiradentes, 1961, 004-61, ost, 60 X 80 cm.
O quadro em si é de inexprimível beleza, conduzido com ciência e inteira segurança em sua expressividade, composição e distribuição de cores. O sol vermelho lá em cima, como que protegido por pequena e desgarrada nuvem, é uma espécie de segunda assinatura de Guignard, que usou este elemento e desta mesma forma em inúmeros quadros. Seu destaque é evidente e chega a sugerir a presença de algo superior, a tudo sobrepujando, ao mesmo tempo em que atrai para si toda a moção linear do quadro, da base ao céu. Aí, para destacar a figura do mártir, devolve o empuxo na vertical, passando por elementos empáticos: a argola presa ao madeiro, a corda, a cava arredondada da túnica e esta, que põe em evidência, através da hierarquia representativa tão cara aos primitivos flamengos, a compleição do inconfidente, que parece um gigante em comparação com o restante da turba agitada.
Todas as linhas direcionais do quadro aí estão para dar evidência à figura do sacrificando, seja a disposição dos figurantes, seja a das quatorze palmeiras à altura da cabeça do mártir, de um lado e do outro, seja o próprio Pico do Itacolomi, que aí está como elemento impar, bem destacado lá em cima, como que protegendo a cidade colonial que se espraia nas fraldas do morro. Isto nos lembra o tempo todo que a alegoria do enforcamento, posta ao lado da antiga Vila Rica, pouco tem a ver com o acontecido, quando da Inconfidência, no Campo da Lampadosa, no Rio de Janeiro.
Os soldados impecavelmente fardados fazem em sua disposição um quadrado em torno do cadafalso montado sobre um tablado, cujo quadrado, por um efeito de perspectiva, se transforma num trapézio, o qual, por sua vez, tendo o sol como vértice, transforma-se num triângulo em cujo centro se destaca pomposamente a figura do sacrificando. Aqueles soldados estão preparados para prevenir, com suas armas, qualquer agitação. Isto, aliás, já está acontecendo aqui na parte inferior, quando alguns manifestantes, inconformados com tudo aquilo, sobem por uma escada e tentam ganhar o tablado, mas são impedidos por dois vigilantes. Enquanto isso, o algoz, antes de puxar a corda, procura arrumar posição melhor para aquele que vai morrer. Ao seu lado, um sacerdote agita com desespero os braços, orando pela alma do homem prestes a ser sacrificado.
Todas as vezes em que vejo este quadro de Guignard, fico não sei porque me lembrando de todas as crucificações que tenho visto na vida, inclusive e principalmente as de meu mestre. O madeiro do patíbulo se parece com a cruz; há imensa identidade entre as figuras de Jesus e de Tiradentes; e a multidão aí disposta, como na crucificação, se agita com revolta e indignação.
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