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OBRAS IMPORTANTES DE GUIGNARD EM DESTAQUE
COM A ANÁLISE DO PROFESSOR PIERRE SANTOS
Ouro Preto, 1959, 001-59, osm, 54 X 65 cm.
Esta paisagem significa um dos mais importantes momentos plásticos vividos pelo gênio de Nova Friburgo. Ele a fez de um determinado lugar, alguns metros à frente do Chafariz de Marília, perto da Ponte Seca. Vinha namorando este panorama durante algum tempo antes de pintá-lo e usou esta vista mais de uma dúzia de vezes em vários quadros, incluindo também alguns retratos, para os quais serviu de fundo, inclusive para alguns autorretratos. Só depois de muita observação executou a pintura que ora vamos analisar, isto enquanto morou na quarta casa que aparece na fila de residências à nossa esquerda, a qual para tanto alugou. Só então pintou o quadro de número G-350, depois de ter observado exaustivamente o panorama, e considerava o resultado o ponto de chegada de suas pesquisas, obtendo com ele um dos mais importantes, senão o mais importante, momentos de sua carreira, porquanto, através deste quadro logrou afinal compreender a paisagem de Ouro Preto. Sob este aspecto ficou lhe devendo em termos de técnica toda a fase de suas paisagens imaginárias.
Certa vez, em conversa com o pintor sobre esta pintura, declarou que a achava muito importante no contexto de sua obra, pois foi através do estudo deste panorama coroado por este quadro, que logrou obter a compreensão da paisagem antiga Vila Rica em sua extensão plástica. Importante sim, mas não a melhor, a mais envolvente, a mais significativa, pois no campo de suas conquistas artísticas a presente obra chega a ser um tanto quanto clássica, havendo várias outras que extrapolaram infinitamente este resquício de classicismo por ele adquirido na “Academia”. Contudo, o quadro e a fase onde o mesmo se inclui são deveras significativos. O mestre tinha tanta consciência disso tudo, que, mesmo depois deste quadro, tentou algumas vezes a simplificação deste mesmo panorama e depois procurou levar adiante a sua arte.
Mas o que este quadro em si tem de especial? Para começar, armou o cavalete ali perto da Ponte Seca, na parte abaulada da rua, as costas voltadas para o Chafariz de Marília. . Olhou bem a paisagem e a desenvolveu dentro de um xis de linhas sinuosas, como dois esses se cruzando, cujo encontro se dá no ponto onde a rua da esquerda se encontra com a Igreja de Antônio Dias. Neste ponto está a divisão áurea da composição. Se se risca uma linha vertical que passe por este ponto, divide-se a superfície pintada em duas partes, estando a menor para a maior, assim como esta está para o todo, imaginando-os dispostos numa sequência infinita. O mestre preocupava-se sim com isto e o fazia com correção, pois não nos esqueçamos de sua origem acadêmica. De resto, até os pintores contemporâneos estão sempre usando este método no enfrentamento espacial em suas obras, cujo método, afinal, foi descoberto pelos matemáticos e artistas da Grécia antiga. E diga-se mais: este método em si nada tem a ver com academismo, sendo tão somente um instrumento descoberto pelos gregos e posto à disposição dos artistas para o resto dos tempos. Acadêmico é usá-lo através dos métodos complicadíssimos usados pelos renascentistas, ao invés de fazê-lo ‘a olho’ como os modernos.
Voltemos ao quadro: a primeira perna do xis revelada começa na base da mureta, em baixo, à nossa esquerda, sobe pela calçada e pelo alinhamento das casas, passa pelo ponto de ouro descrito, corta a Igreja de Antônio Dias, continua na linha da crista da montanha, à direita, e vai morrer na parte superior das janelas da casa amarela aqui no primeiro plano, a qual tem grande função no equilíbrio do quadro. A outra perna, também feita em esse inclinado, começa igualmente na base da calçada, mas só que à direita, sobe numa linha abaulada, passa pelo ponto áureo, continua na crista da vegetação e vai morrer na linha encontrada no teto da igreja lá de cima. O pintor conseguiu assim dividir a superfície em quatro zonas bem marcadas: a da esquerda ocupada pelo conjunto de casas, a vegetação e a igreja superior; a de cima pelas torres de Antônio Dias, algumas construções à retaguarda e o céu; à direita, pelo casarão, algumas casas ao seu lado, metade inferior da igreja e o morro à direita, e em baixo, a rua, e só a rua. Esta divisão possibilitou-lhe dispor com precisão todos os elementos componentes da composição, a atmosfera que condiciona o ambiente e a luz que lhe dá vida. Observe-se ainda como são importantes, enquanto marcos de estafeta o casarão à direita, o corpo monumental da Igreja de Antônio Dias e as últimas igrejas que aparecem lá em cima e mais atrás. Através destes três elementos nos é dado perceber com exatidão o afastamento em perspectiva de toda a composição.
Assim, através da perseverança na observação de determinado ângulo de visão, nosso mestre acrescentou sobremaneira ao seu conhecimento da paisagem de Ouro Preto a ciência do que ver e solucionar numa paisagem, aplainando o caminho dos últimos quatro anos de sua pintura.
Eis outro exemplo digno de destaque no conjunto da obra de nosso pintor. Trata-se de paisagem feita a partir de um beco de bairro afastado de Ouro Preto. Como em todas as obras desta temática, o motivo se abre para amplo panorama, impelindo o artista com suas dificuldades composicionais, distribuídas por várias zonas, à procura de soluções plásticas sempre renovadas.
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